A promoção da saúde é concebida como um processo social e político, que inclui ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades e habilidades dos indivíduos, mas também às mudanças das condições sociais, ambientais e econômicas para minimizar seu impacto na saúde individual e pública.
(GALLO; NASCIMENTO, 2019).
Como você viu até aqui, neste curso tentamos dar alguns passos em direção a uma perspectiva mais integrada para a solução de problemas complexos.
O exercício de alternância entre escalas (o que são políticas globais, como elas são traduzidas no âmbito nacional e local) e setores (como a saúde se relaciona à água e ao saneamento e quais as especificidades de comunidades tradicionais) é uma aposta nesse sentido.
Vamos refletir sobre como a covid-19 nos ajuda a pensar a intersetorialidade e a globalidade na saúde. Assista ao vídeo Coronavírus: facetas da saúde, política e economia.
Independentemente do debate a respeito da origem do vírus, o contágio não se restringiu a algumas localidades, como havia ocorrido em crises anteriores como a da Sars e a da H1N1. A alta conectividade internacional e o fluxo de bens e mercadorias levou ao surgimento de novos focos de infecção a cada dia.
A tendência foi o surgimento de focos de infecção em classes sociais com maior mobilidade internacional, seguido por cidades que se configuravam como pontos de conexão internacional, paulatinamente sendo interiorizado para diferentes lugares e pessoas.
A adoção de diferentes formas de lidar com a pandemia em diversas escalas, entre países, regiões, cidades e localidades, lançou luz sobre as consequências de diferentes políticas para atender aos desafios colocados pela situação.
Apesar de as orientações trazidas pela Organização Mundial de Saúde/Nações Unidas estabelecerem as diretrizes de como lidar com a situação, as respostas e protocolos foram muito diversos ao redor do globo (ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE, 2021).
Por um lado, políticas de isolamento rígidas trouxeram uma diminuição na velocidade de contágio, acarretando, em muitos casos, violações a alguns direitos básicos da população. Por outro lado, políticas mais flexíveis levaram ao crescimento do grau de contágio, ocasionando a saturação dos equipamentos de saúde de diferentes regiões.
No Brasil, o grau de autonomia de municípios e localidades para evitar a aceleração do contágio foi subsídio para debates e enfrentamentos entre escalas de governo e sociedade.
Fonte: Fiocruz Imagens.
Foto: Vinícius Marinho (2009).
A crise gerada pelo coronavírus afetou a sociedade também do ponto de vista econômico. Os altos índices de desemprego impactaram trabalhadores formais e informais de maneira aguda.
Na escala internacional, o debate sobre o desvio e confisco de equipamentos de proteção individual, como máscaras e luvas, além de equipamentos médicos, evidenciou a relação entre a saúde e a capacidade industrial de diferentes partes do globo. Problemas relacionados à demanda por equipamentos médicos, por exemplo, afetaram não apenas países como o Brasil, mas também países europeus (COVID-19..., 2020).
Na escala nacional, a dificuldade em produzir respiradores artificiais e testes suficientes para detecção da covid-19, principalmente pela falta de insumos, também ilustraram a relação entre capacidade produtiva e saúde.
Fonte: Fiocruz Imagens .
Foto: Raquel Portugal (2020).
Kit para teste rápido de covid-19.
Por outro lado, a utilização do parque de pesquisa e tecnologia, durante a pandemia, evidenciou a relação entre as políticas de ciência e tecnologia com a saúde. Podemos citar como exemplos o sequenciamento do vírus no desenvolvimento de testes de contágio por pesquisadores da Fiocruz e o desenvolvimento de respiradores mecânicos de menor custo por pesquisadores de diferentes universidades púbicas brasileiras.
Questões diplomáticas e ideológicas têm dificultado a aceitação de vacinas provenientes de diferentes partes do mundo. É importante ressaltar que poucos países têm a capacidade tecnológica para a pesquisa e produção de vacinas. Isso demonstra o lastro que políticas de Estado podem dar ao poder público em tempos de crise.
Vejamos como a Agenda 2030 foi profundamente impactada pela crise sanitária desencadeada pela pandemia de covid-19. Clique em cada um dos itens.
1. ERRADICAÇÃO DA POBREZA
Perda de renda, levando segmentos vulneráveis da sociedade e famílias a ficarem abaixo da linha da pobreza.
2. FOME ZERO E AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
A produção e a distribuição de alimentos pode ser interrompida.
3. SAÚDE E BEM-ESTAR
Efeito devastador nos indicadores de saúde.
4. EDUCAÇÃO DE QUALIDADE
Escolas fechadas para muitos; aprendizado remoto menos eficaz e inacessível para alguns.
5. IGUALDADE DE GÊNERO
Os ganhos econômicos das mulheres estão em risco, assim como o aumento dos níveis de violência contra as mulheres. As mulheres representam a maioria dos trabalhadores de saúde e assistência social, que estão mais expostos à COVID-19.
6. ÁGUA POTÁVEL E SANEAMENTO
Interrupções no fornecimento e acesso inadequado à água limpa dificultam o acesso a instalações limpas para a higienização das mãos, uma das medidas de prevenção à COVID-19 mais importantes.
7. ENERGIA LIMPA E ACESSÍVEL
Escassez de fornecimento e de pessoal está levando à interrupção ao acesso à eletricidade, enfraquecendo ainda mais a resposta e a capacidade do sistema de saúde.
8. TRABALHO DECENTE E CRESCIMENTO ECONÔMICO
Atividades econômicas suspensas; menor renda, menos tempo de trabalho, desemprego para determinadas ocupações.
10. REDUÇÃO DAS DESIGUALDADES
11. CIDADES E COMUNIDADES SUSTENTÁVEIS
População vivendo em favelas e periferias fica mais exposta à COVID19 devido à alta densidade populacional e falta de saneamento básico.
13. AÇÃO CONTRA A MUDANÇA GLOBAL
Compromisso reduzido à ação climática, contudo, menos emissões de gases de efeito estufa com a diminuição da produção e das atividades de transporte.
16. PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES EFICAZES
Conflitos evitam medidas eficazes para lutar contra a COVID-19; aqueles em áreas de conflito estão mais suscetíveis a sofrerem efeitos devastadores de perdas pela COVID-19.
17. PARCERIAS MENOS E MEIOS DE IMPLEMENTAÇÃO
Amplia a reação negativa contra a globalização, mas também destaca a importância da cooperação internacional em saúde pública.
Fonte: Adaptado de Pacto Global (2020).
Quando a discussão desce para a escala local, fica evidente a importância da organização do Sistema Único de Saúde, seja pela hierarquização do atendimento por graus de complexidade, seja pelo empenho dos profissionais de saúde para atender ao enorme desafio gerado pela crise.
Também puderam ser observadas as consequências das diferentes políticas de prevenção levantadas tanto no nível municipal quanto no das comunidades. Políticas de limitação de acesso, diretrizes de quarentena, atendimento por profissionais de saúde e manutenção apenas de atividades essenciais foram fatores determinantes para a redução da velocidade de contágio.
Ilustração: Erick Lota (2020).
O isolamento e o distanciamento social foram medidas adotadas por diversos países do mundo na tentativa de refrear a contaminação pelo coronavírus.
A sociedade civil e as organizações não governamentais também atuaram fortemente durante a pandemia. Na região da Bocaina, o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) lançou a campanha Cuidar é Resistir, apresentada no vídeo que você pode assistir em seguida, para reforçar o apoio a territórios tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba atingidos pela covid-19.
Apesar de a crise gerada pela covid-19 ser ilustrativa para muitas das discussões propostas por este curso, gostaríamos de voltar nossa atenção para outras questões de saúde que transcendem a pandemia. Ou seja, que já estavam colocadas antes de seu surgimento e que permanecerão após seu arrefecimento.
Uma das principais questões deste curso está centrada na discussão sobre o papel das comunidades na promoção de sua própria saúde. Ou seja, quais são as possíveis práticas e rotinas que podem elevar o grau de autonomia local na promoção da saúde?
Nossa aposta é a de que soluções de saneamento básico, propostas pelo Programa Saneamento Brasil Rural e reaplicadas pelo OTSS, contribuem para a autonomia das comunidades tradicionais na promoção de sua saúde.
Assim, a disseminação de tecnologias sociais com alto grau de reaplicabilidade é um dos caminhos para a promoção da saúde em nível local. Entre elas, citamos os tanques de evapotranspiração para destinação de resíduos sanitários, os círculos de bananeira para tratamento de águas cinzas e os biodigestores como alternativa de tratamento sanitário e geração de energia, entre outras.
As tecnologias sociais propostas neste curso são especialmente circunscritas à discussão sobre destinação de resíduos para diminuir o risco de contaminação de doenças de veiculação hídrica e para melhorar a qualidade dos corpos d’água em comunidades tradicionais. Mas, claro, existem muitos outros exemplos.
Fonte: Observatório dos Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina.
Foto: Eduardo Di Napoli/Comunicação OTSS.
Tanque de evapotranspiração em construção.
Como ressaltado ao final da seção "A Agenda de desenvolvimento global", o desafio de traduzir metas e indicadores globais para realidades locais apresenta um forte paralelo com o desafio de traduzir tecnologias e soluções para a promoção da saúde em escalas locais e em comunidades tradicionais.
A parceria estabelecida entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais para a criação do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina (OTSS) é um exemplo de arranjo institucional que se propõe a lidar com esse desafio. Para conhecer um pouco mais dessa história, você pode ler o livro O território pulsa , organizado por Edmundo Gallo e Vagner do Nascimento.
Para compreender melhor a relação entre local e global na promoção da saúde e fechar esta seção, assista ao vídeo de Paulo Marchiori Buss, ex-presidente da Fiocruz.
Esta atividade tem como objetivo levá-lo a refletir sobre as diferentes escalas e setores na discussão sobre saúde.
Nossa proposta é que você comente as seguintes questões:
Lembre-se de seguir as orientações para execução e envio das atividades apresentadas no início do curso.