Módulo 3 – Territórios sustentáveis e saudáveis

Água, saúde e território: experiências nacionais

Ao longo deste curso, procuramos demonstrar a importância do acesso à àgua de qualidade como um dos fatores preponderantes para a melhoria da determinação social da saúde.

Além disso, defendemos que a água deve ser encarada como um dos elementos-chave para o amadurecimento de uma gestão territorial da determinação saúde-doença.

Por isso, nesta seção abordaremos duas experiências nacionais que obtiveram sucesso na ampliação do acesso à água:

Programa 1 Milhão de Cisternas (P1MC)

Há muitos anos, diversas instituições tentam criar soluções para o problema da escassez de água no semiárido brasileiro. As políticas públicas direcionadas para essa questão fracassaram ao longo do tempo, devido à falta de recursos, às dificuldades de coordenação entre os estados, à corrupção e, principalmente, à formulação errônea da problemática vivida no local. Em vez de apenas enxergar a escassez de chuva, também deveria ter sido considerado de que maneira ela costuma se distribuir ao longo do ano: geralmente em curtos períodos e de forma concentrada.

A partir da década de 1990, grupos isolados passaram a criar sistemas para captação e armazenamento de água da chuva, por meio de cisternas construídas com placas de concreto.

Em 1999, ocorreu em Olinda (PE) a Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação e Seca (COP-3). Durante o encontro, foi possível reunir instituições que já trabalhavam nessa área, mas desarticuladas e sem perspectiva de escalonamento ou de criação de políticas públicas. Depois dessa conferência, foi criada a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA) .

Mapa do Brasil

Fonte: IBGE (2018). 

Mapa do Brasil, destacando o semiárido brasileiro, que abrange os estados do Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia e Minas Gerais.

Paralelamente à COP-3, as instituições lançaram a Declaração do semiárido, da qual constam uma série de medidas estruturantes, políticas e práticas para o desenvolvimento sustentável da região. Como desdobramento desse processo, foi proposta a formulação de um programa para construir um milhão de cisternas (P1MC).

Assista ao vídeo P1MC – Uma construção coletiva de política pública, que fala mais sobre esse programa:

Vídeo P1MC – Uma construção coletiva de política pública

Parte importante da história do P1MC foi a criação da ASA, que é composta por mais de 700 organizações da sociedade civil nordestina. Sua principal característica foi a mudança de abordagem em relação ao semiárido, que deixou de ser visto como uma região inóspita e imprópria para o ser humano.

O problema não é a falta de chuvas, mas sua concentração em apenas um período do ano. Sendo assim, a ASA passou a incentivar a construção de cisternas para captação e armazenamento de água por meio do envolvimento da família e da comunidade local no projeto, desde a concepção até a execução e o monitoramento.

Outdoor com os dizeres: Construimos 50 mil cisternas de placas no Piauí. 50 mil famílias com água para beber.

Foto: Academia de Letras de CM (2015)/Wikimedia Commons.

Outdoor na margem da rodovia brasileira BR-343, no Piauí, sobre construção de cisternas de placas na região do semiárido brasileiro.

Com essa nova visão, busca-se, principalmente:

  • garantia da permanência das famílias em seu local de origem;
  • fortalecimento da identidade local;
  • preservação de costumes e tradições;
  • intensificação do vínculo com a terra;
  • inclusão social e empoderamento de moradores nas tomadas de decisão, fato que lhes foi negligenciado durante a história.

O P1MC tem três atores principais:

Comunidade e famílias que recebem as cisternas: responsáveis por certas contrapartidas no processo de construção, como a preparação do buraco da cisterna e o fornecimento de um ajudante de pedreiro.

ASA e organizações da sociedade civil: implementadores da política.

Ministério da Cidadania (Secretaria Especial do Desenvolvimento Social): órgão financiador, de controle e coordenação da política.

Alguns resultados positivos do P1MC:

  • Otimização do tempo – a tarefa de buscar água, geralmente feita por mulheres e crianças, passou a não existir mais. Dessa forma, mais tempo pôde ser dedicado a outras atividades, como o roçado, o manejo de animais e trabalhos domésticos.
  • Surgimento de lideranças políticas – dentro das comunidades houve o empoderamento dos indivíduos, o que contribui para sustentar a luta por uma vida mais digna.
  • Capacitação dos “pedreiros agricultores” – por meio dos processos construtivos e das oficinas da ASA, lavradores são capacitados para captarem água da chuva e para lidarem com a produção agroecológica.
  • Construção de mais de 500 mil cisternas desde 2003.
Para saber mais

A configuração das relações institucionais do P1MC conseguiu criar ligações entre o Estado e a sociedade civil. Assim, demonstrou a possibilidade de reaplicação de uma tecnologia social em escala sem perder seus principais focos, que são a apropriação da tecnologia pelas famílias beneficiárias e a sua adaptação de acordo com demandas específicas.

Veja como se constituiu essa configuração:

Mapa de vínculos estabelecidos entre atores no P1MC

Esquema evidenciando a relação entre a Associação Programa 1 Milhão de Cisternas e organizações da sociedade civil ligadas à ASA, tais como a OSC da Caatinga, o Centro Sabiá, a CAA e outras de diversas regiões do semiárido. Essas organizações recebem repasse de recursos e envolvem o território, as comunidades e as famílias na implantação das cisternas. O esquema também evidencia que a Associação e os Órgãos de controle, como a CGU, se relacionam por meio da fiscalização e prestação de contas. Já com o o antigo Ministério de desenvolvimento social, a Associação se relacionava não só pela fiscalização, mas também pelo repasse de recursos.

Fonte: Borges (2013).

Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais) 

Outra experiência de ampliação de acesso à água que vale a pena conhecer é a Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais). Assista ao vídeo Tecnologia social – solução para superar a pobreza e entenda melhor como o Pais funciona.

Vídeo sobre Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais)

A monocultura é muito suscetível a variações do clima e do mercado. Além de não suprir a alimentação básica do agricultor, ela é prejudicial ao meio ambiente.

O Pais tem como principal objetivo diversificar a produção, valorizar a agricultura familiar – de forma a garantir alimento e sustento –, além de propiciar a permanência das famílias no meio rural.

Idealizado pelo engenheiro agrônomo Aly Ndiaye em 1999, na cidade de Petrópolis (RJ), o Pais é um sistema construído em formato circular para melhor aproveitamento do espaço, integrando produção vegetal e animal.

No centro da ilustração encontra-se o galinheiro. As galinhas são alimentadas com as sobras dos alimentos cultivados, fornecem ovo e carne para o produtor e seu esterco aduba o solo. Ao redor, são feitos os canteiros. A irrigação das plantas ocorre por gravidade, com a técnica de gotejamento, o que  representa o uso racional da água.

Fonte: Adaptado de: Riva (2013); e cartilha Mais Alimento, trabalho e renda no campo (2009).

O Pais é uma tecnologia simples, de baixo custo e com alto poder de reaplicação!

A Fundação Banco do Brasil (FBB) é a principal responsável por difundir essa tecnologia social, e o BNDES e outros parceiros auxiliam com recursos financeiros para a oferta de cursos de capacitação e materiais para os agricultores construírem seus sistemas.

Os três pilares do Pais são:

Segurança alimentar
Alimentos orgânicos, livres de agrotóxicos, que melhoram a saúde da comunidade.

Venda do excedente 
Após alimentar a família do agricultor, os produtos que sobram são comercializados em feiras e escolas, representando uma renda extra e a melhoria na qualidade de vida. Vale ainda mencionar que por meio da criação de associações os agricultores podem fornecer sua produção em maior escala para o governo.

Proteção do meio ambiente 
Diferente da monocultura, o cultivo agroecológico não agride o meio ambiente. Devido à utilização de insumos orgânicos, dispensa agrotóxicos, fazendo uso do solo de maneira racional, com melhor aproveitamento do espaço e diversidade de espécies.

A execução do Pais se dá por meio de dez passos:

  • Escolha e preparação do terreno.
  • Seleção das culturas.
  • Demarcação do galinheiro e dos canteiros.
  • Construção do galinheiro.
  • Preparação dos canteiros.
  • Uso de energia.
  • Sistema de irrigação por gotejamento.
  • Compostagem: produção de adubos naturais.
  • Quintal agroecológico.
  • Associativismo e comercialização.
Para saber mais

Caso queira conhecer um pouco mais sobre a implantação de unidades da tecnologia social Pais, acesse a cartilha Mais alimento, mais trabalho e renda no campo, que informa sobre o passo a passo , disponibilizada pelo Sebrae.

No território da Bocaina, temos um exemplo de Pais em comunidades tradicionais, como pode ser visto no vídeo com o depoimento da Dona Marilda, do Quilombo do Bracuí:

Vídeo Produção Agroecológica Integrada e Sustentável (Pais) - Marilda de Souza Francisco

As soluções apresentadas foram desenvolvidas para sanar problemas locais. Elas fortalecem o argumento de que a gestão territorial é a melhor estratégia para lidar com a disponibilidade de água. Contudo, ressaltamos a importância da articulação com o poder público para a conversão dessas iniciativas em políticas públicas, permitindo dar escala às soluções encontradas.

No Módulo 4, abordaremos algumas soluções descentralizadas para o tratamento da água, mostrando como a população pode se converter em protagonista de sua história, atuando como agente de transformação.

Atividade 3

Nesta atividade, propomos algumas reflexões para consolidar seu aprendizado:

  • Sua comunidade sofre com a falta de água? Será que lá alguém conhece a técnica de captar água da chuva? Você acredita ser viável captar água da chuva em sua residência ou comunidade?
  • De onde vem o alimento que entra na sua casa? Gostaria de produzir seu próprio alimento? Tem ideia de como começar? O que o impediu até o momento?

Lembre-se de seguir os critérios sugeridos nas orientações para execução e envio das atividades.

  • Esta atividade irá subsidiar o item 2 do Pats, referente à seleção de uma tecnologia social e uma breve apresentação de como ela poderia solucionar problemas concretos no território.
  • Agora que chegamos ao final do Módulo 3, você deverá enviar esta e as demais atividades propostas.

Acesse o AVA para enviar as atividades 1, 2 e 3 deste módulo.